sábado, 18 de agosto de 2007

Valores em crise

Semana passada visitei minha mãe. Depois daquela coisa de reencontro quinzenal, "como está meu filhinho" etc e tal, começamos a conversar sobre assuntos diversos, fatos cotidianos ocorridos nas últimas semanas... e eis que ela me conta uma história que retrata um fenômeno social no mínimo peculiar.

Disse-me minha mãe que uma cliente sua, à qual atendera durante a semana, lhe contou que seu filho, de cinco anos, tinha começado a freqüentar uma psicóloga. O problema com o menino é que ele é bonzinho demais.

Como assim? A mulher contou que seu filho, com freqüência, tem surtos de bondade e estava começando a passar por maus bocados por conta disso. Outras crianças de sua idade, aproveitando-se do excesso de generosidade do "problemático" garoto, acabavam por levar embora seus brinquedos, seu lanche, enfim, se apossavam de coisas do garoto ou, em outros casos, aproveitavam-se de situações, seja levando seu mérito por atividades na escola, em brincadeiras etc. Ou seja, a "criança-problema", já aos cinco anos, começava a ser engolida por seus "adversários" na competitiva corrida em que se transformou a vida moderna.

Assim, a solução mais indicada e adotada pela mãe foi contratar os serviços de uma terapêuta para condicionar seu filho a pensar primeiro em si próprio.

Não estou querendo pregar aqui princípios altruístas supremos, espirituais, puritanos, sagrados, bla bla bla.

A questão que me veio à mente quando ouvi essa história foi a precocidade com que o ser humano precisa aprender a sobreviver, a competir, dentro de uma sociedade que se diz, e é, complexa, evoluída, científica, civilizada. Principalmente "civilizada".

A questão da luta pela sobrevivência e o instinto que nos leva a procurá-la é de natureza biológica e, nesse aspecto, a ciência tem procurado demonstrar que não somos muito diferentes de outros seres vivos, principalmente do reino animal. Mas nesse caso específico, trata-se de inibir, numa criança, um impulso, também natural, pois manifestado por uma criança ainda não socialmente formada, de generosidade e desapego, que me parece ser um tipo de instinto, esse sim, que caracteriza-nos de maneira ímpar e nos diferencia de praticamente todo os demais grupos animais que vivem em sociedades (exemplos semelhantes, talvez só entre primatas).

Ao inibir os "instintos éticos" de uma criança, corre-se o risco de se dimiuir seu potencial de enxergar o próximo como um igual, que merece e deve obter da vida em sociedade as mesmas vantagens que ela possui, se se pretende que essa sociedade seja igualitária e justa, e de reduzi-la a um animal puramente biológico, que tem para si os instintos mais primitivos como primordiais.

Não pretendo, aqui, questionar a qualidade ou a necessidade da existência desse tipo de tratamento. Considero a psicologia uma ciência das mais ricas e importantes que o homem desenvolveu e tem, constantemente, aprimorado.

Apenas me pareceu um pouco extremo esse caso. Penso que, no mínimo, deve despertar a atenção geral para o fato de que uma grande reestruturação educacional deve ser implantada, não apenas curricular, nos moldes como a temos (e mal a temos) hoje, mas uma educação mais dinâmica, universal, que implante no homem, desde muito cedo, a ética, assim como princípios e valores morais e sociais que possam permitir à nossa sociedade uma contínua e eficaz evolução.

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